sobre, para além, por detrás

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Por detrás dos montes
Teatro Meridional


21 de Dezembro e 13 de Janeiro
Criação: Teatro Meridional Concepção e Direcção: Cénica Miguel Seabra Dramaturgia e Assistência: Artística Natália Luíza Interpretação: Carla Galvão, Carla Maciel, Fernando Mota, Mónica Garnel, Pedro Gil, Pedro Martinez, Romeu Costa Espaço Cénico e Figurinos: Marta Carreiras Música: Fernando Mota Marionetas: Eric da Costa Desenho de Luz: Miguel Seabra Taiji Qigong: Pedro Rodrigues Atelier de Marionetas: João Paulo Seara Cardoso Direcção de Produção: Mónica Almeida Co-Produção:Teatro Meridional - Associação Meridional de Cultura/ Teatro Municipal de Bragança / Câmara Municipal de Bragança




O Projecto Províncias pode mudar a estética do Teatro Meridional. Pensado como um ciclo de espectáculos dedicado a três regiões portuguesas (Alentejo, Trás-os-Montes, Açores) desenvolve-se a partir da ausência de palavra e pela interpretação da música ao vivo. Ou seja, pelo silêncio e pelo som. O resultado são espectáculos de intensa expressividade visual, abrindo largos espaços de sugestão, sem deixar o espectador à deriva mas conduzindo-o por uma pauta de imagens, gestos e música.

Depois de Para além do Tejo (espectáculo dedicado ao Alentejo), Por detrás dos Montes vem dar excelente continuidade ao projecto, a vários níveis: a música, interpretada ao vivo por Fernando Mota camufla, rodeia e interpenetra os espectáculos marcando o seu ritmo interior; o elenco de actores, quase idêntico, consolida um perfil do ciclo na sensibilidade como parecem incorporar cada região e na forma comum e comunitária como fazem aparecer esses sentidos; a evolução do gesto e a progressiva gestão das imagens criadas; o exercício de representação, isto é, de transformação do que as regiões apresentam.

Para além do Tejo era um espectáculo que criava grande empatia. Isso devia-se, em parte, à região que era representada, um Alentejo rural, isolado, envelhecido, mas com um vigoroso espírito de humor e subversão. Esse pulsar costuma ser expresso em palavras, na diversidade de expressões locais, mas no espectáculo aparecia sobre uma forma de teatro gestual e técnica da máscara, onde a estilização do quotidiano conduzia a situações cómicas e poéticas, que vão encontrar a palavra noutro espectáculo, À Manhã. Ora, o que acontece de diferente em Por detrás dos montes é que é mais triste, mais denso, e mais telúrico. Há uma dor que atravessa o tempo do espectáculo, uma mágoa, um remorso, o espaço cénico é mais escuro e o silêncio mais pesado. De alguma forma, sente-se a distância que vai de um monte a outro, como de alguém a outro. Os velhos que matavam o tempo a jogar cartas no espectáculo anterior transformam-se agora em velhas beatas, rugosas e secas (cena fulgorosa). Por outro lado, se a nível plástico existe uma continuidade, já ao nível do registo de interpretação existe uma progressão. O teatro gestual, comunicativo e simples, deu lugar a uma diversidade de meio de expressão provocada pela região mas influenciada, desviada também pela passagem de um espectáculo a outro. Em Por detrás dos montes encontramos recursos artísticos populares como as marionetas e as máscaras, mas também uma invulgar gestão da criação de imagens, que procede por simples preparação do acto (caso da cena das mulheres que são cobertas por lençóis, entre outros, ao início). Esta forma de criação das cenas é invulgar no contexto do trabalho do Meridional porque se aproxima mais das estratégias da performance e porque aqui é associado a um imaginário popular. Isto é, não se procura representar, não há acção ou situação mas, por exemplo, corpos dispostos para uma imagem. Esta abordagem acontece pontualmente mas não deixa de ser pertinente, a este propósito, referir um subtil decréscimo da intensidade do espectáculo à medida que se afasta do terreno silvestre e impulsivo dos montes para se aproximar da vida urbana. As cenas aproximam-se mais do quotidiano e essa aproximação ameaça trocar a estilização pela figuração. O abrandamento do ritmo final do espectáculo deixa à vista uma questão essencial do Projecto Províncias, a nível artístico: como se deseja representar, ao representar uma região?

Porque pode ser na comunicação dessa diversidade de estéticas que pode nascer um momento novo na linguagem estética do Teatro Meridional, enraizado no seu trabalho de corpo e gesto e sem abdicar do seu fascínio pelo local.











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