das palavras aos actos

das palavras aos actos

exposição Un teatro sin teatro
Maio – Setembro 07 no MACBA
Novembro 07 – Fevereiro 08 no Museu Berardo


O teatro sem teatro que aqui está em causa é, ao mesmo tempo, duas coisas: o teatro “novo”, que se afasta das convenções clássicas e o teatro que acontece fora do edifício-teatro.
No primeiro exemplo, a nova representação teatral apoia-se na crítica e na oposição ao seu modelo anterior, ao seu clássico; no segundo exemplo, afasta-se dos dispositivos técnicos e arquitectónicos que perpetuam, também, um estado imutável.

Em ambos os casos, há o descentramento (da cena e da plateia, isto é, dos lugares de representação e dos lugares de quem vê) e a desilusão (como linguagem excêntrica que associa a diversidade artística sem a sintetizar). Por um lado, o descentramento do fazer teatral da sua tradição técnica e semiótica recoloca actor e espectador numa nova relação, e compromete o estatuto dessa relação. Por outro lado, a desilusão do desejo de representação da realidade, afirmando-se antes como nova linguagem, contribuem para um deslize da linguagem crítica para, ao falar de teatro, incluir na fala um novo conceito, transversal ao centro e à periferia: a teatralidade. O teatro sem teatro que aqui está em causa é o da teatralidade, desta vez na relação com as artes plásticas.

Aquilo que sempre aproximou o teatro e as artes plásticas numa relação íntima, ao longo de séculos de cruzamentos e influências, foi o conceito de representação. Não tanto como conceito crítico mas como influência de parte a parte na criação de imagens, de coisas para ver e de pontos de vista, nos recursos técnicos, no estatuto do corpo, na representação da ordem e desordem do mundo. Na exposição Um teatro sem teatro são essas trocas - mais que o conceito de representação - que estão à vista. Descentramento, desilusão, relação entre actor e espectador, entre obra e espectador (the viewer), são alguns dos pressupostos que podemos reconhecer na teatralidade que atravessa as obras em exposição.

Mas onde se pudesse supor uma progressão histórica das relações entre teatro e artes plásticas no sec. XX, das vanguardas à legitimação da performance, encontra-se antes a presença do modelo teatral, ou da teatralidade, como influência excêntrica que age sobre as obras de arte. Ou seja, à superfície o tema da exposição será o teatro, e a noção de espectáculo está mais ou menos presente em cada peça, mas o que está em causa é a exposição dos efeitos de teatro sobre o pictural, o plástico, o visual, abrindo-o ao acontecimento, ao espaço, ao corpo. Daí que surja a referência a Michael Fried (Art and Objecthood, 1967), crítico norte-americano que acusou os artistas minimalistas de desenvolverem uma materialidade nas suas obras que perturbava a experiência estética modernista, concentrada na experiência pictórica. Essa materialidade seria, nas suas palavras, teatral, corrompendo a “competência do visual” (Tadeusz Kantor).

Vejamos em cada peça não a referência directa à teatralidade mas a interferência do modelo de espectáculo sobre a lógica de criação plástica. Exemplo disso é a passagem, do início ao fim da exposição, de peças onde a presença do espectáculo é mais explícita para obras onde as referências são, sobretudo, do domínio da arte contemporânea. O teatro está mais presente no acervo de documentação histórica que nas obras de arte e é aí que encontramos uma referência directa.

A exposição provoca o diálogo entre a história de arte e a história do teatro no sec. XX, marcando – e legitimando - o início da exposição, com uma série de cartazes, livros e fotografias: de Marinetti, Meyerhold e Shlemmer (sabia que as máscaras de aparência metálica são de pasta de papel?) a Artaud, Grotowsky e Kantor. A nível temático a exposição evolui da documentação para a acção (performativa) com vídeos, esboços e objectos de performances, Matt Mullican e Mike Kelley por exemplo. Já no piso 2 do MACBA, podíamos assistir a uma evolução da arquitectura à dança e ao vídeo, através de obras de Aldo Rossi, Daniel Buren e Juan Muñoz com apropriações do dispositivo do edifício-teatro; referência à dança contemporânea com vídeos de Trisha Brown e Yvonne Rainer, e Rauschenberg ensaia sobre Cunningham. Oportunidade ainda de ver obras de Boltansky, Allan Kaprow, Tony Oursler, Carl Andre, Bruce Nauman e os vídeos de Robert Morris.

Não sendo tanto uma exposição sobre as relações entre teatro e artes plásticas, enquanto linguagens de representação artística, Un teatro sin teatro é legitimado por uma valiosa documentação e lança um ponto de vista inédito sobre a influência do espectáculo na criação plástica contemporânea. As peças expostas são exemplos e pontos de partida para a leitura alargada de um diálogo contínuo que aqui toma os pressupostos do acontecimento espectacular como elementos de criação artística: o lugar do corpo, o observador/espectador, o site specific, a acção e a narratividade, a duração.











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