Ar

Ar
from anything to everything

Caixa para guardar o vazio
escultura performativa de Fernanda Fragateiro, coreografia de Aldara Bizarro


O projecto Caixa para guardar o vazio é o terceiro projecto recente que se constrói em torno de uma reflexão sobre critérios geométricos (linha ponto, plano), depois da Cie 111 e do Teatro O Bando. Trata-se de um projecto ambicioso e a sua materialização parece pedir uma continuidade da exploração em torno dos conceitos associados: vazio, escultura, corpo. Este desejo liga-se a uma curiosidade de usar os conceitos como meios que atravessam a dança e as artes plásticas. Mas o que é também uma experiência transdisciplinar, resulta também como uma concentração sobre os pontos comuns entre a escultura, arquitectura, instalação e dança: esculpir o corpo; habitar o espaço; partilhar «ritmos e movimentos».

As caixas, as malas, os armários, as salas, são presenças recorrentes nas artes do espectáculo. Talvez porque são espaços vazios, a ocupar, a imaginar. O vazio do espaço delimitado funciona como um mecanismo, tende a ser habitado, riscado, com um corpo, ou um traço. No caso deste projecto, que se desdobra em instalação, espectáculo e oficina para crianças, é o corpo coreografado que faz da instalação uma escultura (um outro corpo) e uma casa, e é ainda o corpo o percursor dinâmico que actualiza a geometria da caixa, geometrizando-se.

A coreografia tem por função activar a escultura, actualizar o espaço, através de dois bailarinos que agem em dois tipos de vazio: o vazio que rodeia a caixa, o vazio que a caixa guarda. Começamos por aproximarmo-nos do monólito silencioso e claro através das sugestões do bailarino, criando uma relação sensitiva com a Caixa, «ver, tocar, cheirar, ouvir». A Caixa vai abrindo-se, revelando o seu interior, e partes do corpo da bailarina, pés, perna, braço. Quando está quase toda aberta, entramos para dentro da Caixa. A passagem do exterior para o interior é mediada pelas partes e, por dentro, a caixa não guarda o vazio mas uma multiplicidade de planos, desdobramentos espaciais e uma bailarina que percorre o volume e as esquinas como uma sombra, alinhando o seu corpo, pontuando os seus gestos numa coreografia que não habita o espaço antes dá-lhe continuidade para um corpo, para um movimento dos planos.

A proposta é no seu conjunto eficaz e muito bem desenvolvida, sobretudo na forma como articula a convergência entre a linguagem performativa e a concepção plástica, associando à inquietação dos artistas a curiosidade infantil e a interacção dos espectadores, sugerindo novas formas para os corpos habitarem os espaços. O que fica em aberto (passo a redundância) é o vazio. Porque fica por explorar um conceito que nos é estranho mas de grande potencialidade, sobretudo através do imaginário infantil ou sensitivo. O vazio que rodeia a Caixa é mais presente que aquele que se diz guardado. De onde a importância de esvaziar a caixa, com a mesma inquietação.











.